quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Contos da época...






Apenas se ouvia o som crocante dos pés a enterrarem-se no manto branco. Já lhe era difícil caminhar nos nevões que ultimamente marcavam a época. As botas de couro, gastas, também já deixavam passar o frio.
Ás costas levava a mochila com algumas provisões para a noite que se avizinhava , alguém lhe tinha dado um bom pedaço de galinha e um pão. Com mais umas batatas que tinha, faria com certeza uma refeição digna de uma noite de Natal.
Para o velho Lázaro iria ser mais uma noite tranquila e só.
Fora assim tantos anos que já nem notava a diferença. Mas sentia saudade, saudade da melhor companhia, a mulher e o filho. Todo aquele calor que sentia não só naquela noite, mas também em todo o sempre em que partilharam dias, noites, anos...
Passaram-se vinte e seis anos desde a ultima vez que os vira.
Ao caminhar para casa Lázaro parou por instantes na pequena aldeia coberta de neve. Todos tinham um leve sorriso na cara, sentia alegria no ar. Todos se preparavam para a noite que se avizinhava, fria. Mas também sabia que por muito fria que a noite fosse, nas suas casas haveria calor, o calor humano de partilhar.
Todos tinham alguém a quem dar um abraço e receber em troca, menos ele.
Lázaro sentia-se só, esquecido no mundo. Alguém seu conhecido o convidara para passar a consoada com a sua familia, mas ele não se sentia à vontade para o fazer e depois viviam longe.
Dirigiu-se para casa. A noite fez-se ver assim como as temperaturas negativas. O vento soprava na rua empurrando a neve contra os vidros das janelas.
Ao chegar, a velha casa de madeira estava fria. Foi buscar uns pedaços de madeira que acondicionara para o Inverno e colocou-os no fogão de ferro que jazia a meio da divisão, em pouco tempo o clima aqueceu. No chão um balde, aparava de quando em vez, as gotas de água da neve que derretia e que teimava cair devido a uma insignificante brecha no telhado. Teria que o remendar, mas agora só o poderia fazer quando o Inverno passasse.
Acendeu algumas velas para o alumiar.
Da mochila tirou o pedaço de carne e o pão, procurou as batatas que mantinha guardadas e descascou-as. Num velho tacho colocou água e juntou-lhes os tubérculos, num outro colocou um pouco de gordura, ervas do mato para dar sabor e a carne.
Lá fora a neve tocada pelo vento continuava a assolar as casas com as suas janelas e um frio insuportável fazia-se sentir até nos ossos.
Limpou a mesa e duma gaveta retirou uma toalha para a cobrir. Era vermelha com decorações a finos fios dourados. Fazia-lhe lembrar Magdala, a sua mulher, que tanta vez fez aquele gesto na consoada, o de requintar a mesa no Natal com o melhor serviço e a melhor comida. Lázaro fez igual, nunca o deixara de fazer desde que lhe retiraram Magdala .
Entretanto a refeição estava pronta a comer. Colocou ainda um pequeno jarro de vinho na mesa, era a única bebida que lhe aquecia o peito.
O usado Lázaro preparava-se agora para comer a refeição que preparara. Mas algo lhe chamou a atenção, parecera-lhe ter ouvido alguém bater à porta.
Escutou com mais atenção e não se enganara. Lázaro estranhou aquela presença.
"Quem é?" perguntou.
Do outro lado da porta uma voz respondeu-lhe: "Alguém que procura uma refeição..."
Lázaro receou abrir a porta. Recordou-se de Magdala, não pela noite em questão, mas pela forma que a levaram e já se sentia velho para se poder defender como outrora.
Do lado de fora voltou a ouvir: "...ou até mesmo um lugar quente onde passar a noite!"
Depois disto Lázaro repensou e os seus medos partiram. A comida que fizera chegava à vontade para mais uma pessoa, não tinha nada a perder.
Abriu a porta e deparou-se com um senhor mais velho que ele de barba curta e branca. Um capuz tapava-lhe a cabeça. Entrou e agradeceu a Lázaro.
Numa das mãos trazia uma garrafa com vinho. Tirou o capuz e só nessa altura reparou nos olhos profundamente azuis. Transmitiam-lhe serenidade.
Chamava-se Nikolaos e estava perdido. Sentaram se à mesa, comeram e conversaram durante várias horas.
Para Nikolaos aquela era a sua noite.
Para Lázaro aquela seria uma noite... diferente, pelo menos já tinha com quem falar e já sorrira um pouco.
O velho de barbas perguntou a Lázaro "Porque razão não estás com a tua família?"
Lázaro entristeceu-se, olhou o chão e pausou por momentos a conversa, depois contou a Nikolaos o que lhes tinha sucedido: "Há vinte e seis anos vivia do outro lado das montanhas com a minha família quando um dia os soldados vieram a cavalo e invadiram a pequena aldeia onde vivíamos. Disseram-nos que precisavam das mulheres e jovens. Separaram os homens das suas famílias e agruparam-nos à parte. Depois mataram-nos, apenas estou safo porque me fingi de morto no meio de tantos que conhecia... e tive que sepultar!!"
Nikolaos percebera agora o porquê de tanta dor nos olhos do caseiro.
Enquanto isso bebiam vinho, "É fantástico este teu vinho!" dizia Lázaro.
Já no cadeirão gasto e de copo na mão, Lázaro começou a sentir o cansaço no corpo, os olhos pesavam-lhe.
Nikolaos continuava à mesa, sentia-se confortável.
Lázaro adormecera com o som da pequena tempestade que corria lá fora.
Passaram-se horas desde que se sentara ali e descansava, mas algo o acordou.
Chamou por Nikolaos. Olhou em seu redor e encontrou-se de novo sózinho.
Ouviu bater: "Deve ser Nikolaos... saiu e agora quer entrar de novo!". Levantou-se, dirigiu-se para a porta e abriu-a.
Não havia ninguém na rua, pensou: "Estranho, pareceu-me ouvir de novo alguém bater!"
Voltou a fechá-la. Ao virar costas ouviu de novo o barulho de alguém que batia do lado de fora. Pegou no pequeno candeeiro, abriu de novo a porta e duas figuras encapuzadas aguardavam-no do lado de fora.
Lázaro ficou expectante: "Sim... posso ajudá-los?"
Do outro lado alguém o chamou com voz cansada :"Lázaro?"
Reconheceu-lhe a voz, o timbre, a doçura. Uma das figuras levantou a cabeça e deixou a descoberto os olhos.
"Magdala?" perguntou Lázaro.
Ouviu ainda um nome que só uma pessoa lhe tinha chamado: "Pai?"





terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Adoniran Barbosa - O trem das onze





Talvez cumplicidade!
Talvez preocupação!
Talvez interesse!

Pensem na letra!

"Não posso ficar nem mais um minuto com você
Sinto muito amor, mas não pode ser
Moro em Jaçanã,
Se eu perder esse trem
Que sai agora as onze horas
Só amanhã de manhã.
Além disso mulher
Tem outra coisa,
Minha mãe não dorme
Enquanto eu não chegar,
Sou filho único
Tenho minha casa para olhar
E eu não posso ficar."

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Pensamentos!!




Hoje a viatura que seguia na minha frente tinha colado um "Tó colante" no vidro traseiro que me deixou, honestamente, a pensar na vida cada vez mais "stressante" que levamos.
Já há uns tempos que não me passava algo pela cabeça:

"Trabalha menos; vive mais!"

domingo, 6 de dezembro de 2009

Coisas!!


  Caros leitores, ultimamente tem-se falado muito em protecção, principalmente sobre a gripe "xpto"... H1N1. Essa mesmo!
  Convém não esquecer que há "coisas"  que não devemos deixar que passem a esquecido!
  Para tal deixo-vos um pequeno video, talvez hilariante, de uma outra forma de protecção que tantos esquecem que existe dado o aperto e pressa no acto de...
  Bem, observem... ! ;-)

sábado, 5 de dezembro de 2009

Histórias da Geia - "Cantos e encantos."




Os Gog Magog podiam viver a maior parte das suas vidas no mar, a navegar.
Não importava o tamanho que o mar tinha, houvesse ondas grandes ou pequenas, os Gog Magog na água sentiam-se como uma minhoca na terra.
De volta às planícies de Anuros, depois de quase quatro dezenas de dias no mar a pescar, Adamastor gostava de ver o sol tocar a linha que separa as águas do céu, desta vez de terra firme.
Para ele, aquele momento era mágico.
As cores laranja misturadas com tons de vermelho naquela altura do dia ganhavam ao azul que comandara quase toda a jornada.
Mas não era só por isso que estava ali.
O gigante gostava de se sentar no enorme rochedo que jazia fora de água numa das centenas de pequenas praias de Anuros. Abstraía-se de tudo e de todos os que estavam nas planícies.
Muitos deviam conhecer aquele lugar, aquela enorme rocha, mas só ele sabia o segredo que ela escondia.
Do cinto largo de pele tirou a espada, manejava-a com destreza, mas agora dava-lhe descanso. Pousou-a no chão.
Dobrou as pernas escamadas e sentou-se na rocha ainda quente pelo sol. Reconhecia perfeitamente aquele cheiro e sabor. As finíssimas gotas da maresia tocavam-lhe a face, enchiam-lhe o nariz... deixavam-lhe um fino gosto a sal.
Olhou para baixo, para o mar calmo e avistou-as. Moviam o corpo entre as ondas calmas no final do dia.
Adamastor sentia que outrora os Grandes se sentiram atraídos por elas e que é por isso que ele hoje é assim, meio gigante... meio peixe assim como todos os outros Gog Magog.
Num pano trazia embrulhada uma peça de madeira, oca e perfeitamente perfurada, uma flauta. Passaram-se séculos desde que o ultimo gigante soube tocar tal instrumento com sons semelhantes. Era um dos oito que desaparecera após a mortandade de pupilos e mulheres.
Voltou a olhar para o mar límpido, conseguia ver o fundo de areia.
Os cabelos negros pendiam-lhe para os olhos agora cerrados. Deu um ligeiro sorriso e levou a flauta à boca. O som que saía da peça era fascinante, encantador... mágico.
Lá em baixo, entre as ondas, as Melusinas que tinham a fama de fazer naufragar barcos com os seus cantos deliciavam-se com tamanha melodia.
Mas Adamastor tocava para ouvir... ouvir o canto único daqueles seres; que respondiam com sons dóceis à flauta do gigante. Pareciam chamá-lo para o mar ou talvez pedir para dali saírem. Para ele aquele momento fazia-o recordar um talvez "amor interdito".



Seguidores