
O pai, caçador que era, tinha para tal feito os cães. Ajudavam-no na procura da caça, um coelhito aqui, outro acolá, no tempo em que os haviam. Podia mesmo voltar sem nenhum, mas não o cansava sair de madrugada, fizesse frio, calor ou mesmo que chovesse a cântaros.
E lá ia ele de arma ao ombro quando ia caçar ali nas redondezas.
Quando ia para mais longe o meio de transporte era uma motorizada, de cor azul e branca. Atrelava-se-lhe um pequeno reboque, metia-se-lhe dentro uma caixa de madeira devidamente preparada para o efeito e dentro dessa caixa os preciosos cães de caça, uns dois, ou três... ou quatro.
O pequeno José, gostava de ver o pai entretido naquelas andanças, gostava de o ver voltar para poder apreciar a caça que trazia, já que a maior parte das vezes o pai partia enquanto ele dormia.
José gostava especialmente duma pequena cadela branca, manchada de castanho de seu nome Estrela. Mas começou a tomar mais vezes atenção no pequeno animal quando soube que estava prenha. Quase todos os dias ia ver se a pequena estava bem no seu caldeiro de metal, uma lata vermelha à qual se lhe cortou uma extremidade. Lá dentro um pouco de palha servia de cama ao pequeno bicho.
Passaram-se uns meses e o final da Primavera aproximava-se.
Num fim de dia o seu pai entrou em casa com a notícia de que a cadela já tinha parido.
O pequeno José ficou contente e apressou-se a findar o jantar para poder ir ver os cachorros. Depois saiu e dirigiu-se para o caldeiro. A Estrela estava na rua, inquieta, presa pela corrente... mantinha-a esticada.
José achou aquilo estranho, baixou-se e espreitou para o fundo do caldeiro.
Lá dentro nada estava a não ser o fundo de metal e a palha. Os cachorros tinham sido retirados dali.
Procurou o seu pai e encontrou-o com uma enxada nas mãos a acalcar um pequeno pedaço de terra fresca. José, como criança que era, ficou desgostoso. Nem se atreveu a perguntar ao pai onde estavam os pequenos cães.
Ele sabia-o! O pai logo se prontificou a sair daquele lugar e o pequeno José seguiu-o.
Aquele dia tinha findado. Já em casa e na sua cama que o acolhia com mil cuidados, José sentia pena dos pobres animais. Tinha esperado tanto tempo para ver os pequenos bichos e num ápice o seu pai fê-los desaparecer.
O pequeno José sabia que o pai não fizera por mal, que também não queria fazê-lo, mas via-se obrigado a isso. Não se podia dar ao luxo de ter mais animais para cuidar.
José adormeceu. O dia tinha sido cansativo, nada que uma boa noite de sono fizesse recuperar.
No dia seguinte acordou cedo para ir para a escola. Naquela idade, tinha aulas durante todas as manhãs. Menos ao fim-de-semana, esse era para descansar, ou brincar mais um pouco.
Os seus pais tinham saído ainda mais cedo para o emprego e só voltariam no final do dia.
A manhã na escola custou a passar, fora longa. A avó esperava-o para o almoço. Ao chegar José devorou-o num ápice.
Tinha algo a fazer. Algo que não podia esperar!
Pegou numa enxada e procurou o sítio onde os cachorros tinham sido enterrados. No final do dia anterior, tinha marcado a terra com uma cruz para assinalar o local. Agarrou a enxada com afinco e precisão e começou por tirar a terra para o lado, pouco a pouco.
Aprofundou mais, mas sempre com cuidado para não estragar o tesouro que procurava... parou.
Um pequeno ganir chamou-lhe a atenção. Largou a enxada. Continuou com as mãos, a terra estava fresca.
Tocou-lhes e o coração acelerou-se-lhe.
José tinha encontrado os pequenos cachorros. Não queria acreditar que ainda estavam vivos.
Eram três, apressou-se a tirá-los daquele lugar.
Estavam cheios de terra, mas vivos. Após uma noite naquela cova os pequenos safaram-se.
José estava infinitamente contente.
Passou a tarde com eles. Deu-lhes banho, eram brancos e castanhos como a mãe. Alimentou-os com leite.
A avó ia fazendo as pequenas lides de casa... e ia assistindo a todo aquele quadro de emoções para o neto. Ela achava aquilo engraçado, mas ao mesmo tempo avisava-o que o pai iria chegar a casa.
José achava graça aos pequenos bichos, tão indefesos, mas tão fortes.
A tarde, essa passou a correr e o pai do rapaz também findava o dia no trabalho. José estava atento, tinha que ouvir o soar das 18h, hora em que o pai despegava, para tomar uma decisão... e aí estava ele. Aquele som alertou-o.
Correu a buscar três sacos de plástico, meteu cada um dos cachorros dentro de cada um dos sacos e voltou a enterrá-los. Mas desta vez deixar-lhes-ia a pequena cabeça de fora da terra, ou seja, enterrou-lhes o corpo de maneira a que pudessem respirar.
Voltaria no dia a seguir para mais uma visita.
Pouco tempo depois os seus pais voltaram e a primeira pergunta que o pai fez ao rapaz foi "se já tinha feito os deveres da escola".
José abanou a cabeça a dizer que não. O pai perguntou-lhe de novo "porquê?".
A avó que tinha assistido a todo aquele quadro contou ao pai do José o que se tinha passado nessa tarde.
O José nunca mais soube dos três cachorros.