domingo, 28 de março de 2010

Histórias da Geia - "Um brilho no escuro!"










O ferimento que tinha no ombro impediam-no de andar mais rápido.
Tinha perdido sangue, o bastante para que a fraqueza se apoderasse do corpo com mais facilidade.
A pouca comida que trazia era apenas para a viagem de regresso a casa, o que levaria três dias a cavalo, mas comera as ultimas sobras fazia quase meio dia e já caminhava a pé há um tempo.
Vinha das linhas de Trill onde há perto de uma centena e duas dezenas de dias as guardava junto dos Thórbiorn. Os homens revezavam-se de tempos a tempos para defender a grande frente que impedia os Obours penetrar no reino de Thórbiorn, mesmo assim haviam muitos que se escapavam para tentar a sua sorte, famintos de carne humana.
A fileira estendia-se desde o sul até ao norte. Começava nos Picos sem Nome, passando pelas Pontas de Gelo até à Praia Branca. Mantinham-na há quase nove centos anos.
Pélops, o Orion, viajava de regresso a casa com mais uma quinzena de Thórns.
Combatia junto dos homens, desde que conhecera Témis.
Mas no caminho os Obours tinham o ardil armado. Ao passar numa zona de floresta densa, perto de uma quarentena de Obours cercaram-nos.
As espadas dos Thórns foram desembaínhadas, Pélops puxou da funda. Os Obours avançaram em força para o grupo de homens com as armas em punho e os cortes, membros decepados e mortes não foram evitados. No meio de toda aquela carnificina, o zoar da funda de Pélops fazia-se ouvir, mas fora ferido num ombro por uma seta e via-se limitado a travar a luta, ainda tentou com uma espada, mas perdeu o equilibrio, caiu do cavalo ficando preso por um dos pés, de seguida o bicho saiu dali com Pélops arrastado por terra, até perder os sentidos.
Quando despertou, o corpo dava-lhe sinais de dor.
Os primeiros pensamentos que teve foram de Témis. Desejava voltar a casa para poder vê-la.
Estava perdido no tempo e no espaço que o rodeava. Tinha que se manter alerta, a flecha que o ferira deveria estar envenenada e podia não tardar a sentir os seus efeitos. Por vezes levava dias, o mais tardar uma vintena de dias para que o veneno, a peçonha se entranhasse no corpo e o degradasse lentamente.
Numa das mãos, mantinha atada a funda, dois pedaços de corda fina vinda das florestas de Órion, uma folha das árvores de Freya onde a cada ponta as finas cordas estavam minuciosamente atadas, uma arma letal que só os Órion conseguiam manusear com destreza.
À cintura trazia uma pequena sacola com as Anortitas, as pedras de tonalidade castanho e um brilho mortal. Um pequeno saco que continha no máximo cinco pedras, ao tirar uma o encantado saco restituia-a com rapidez.
Posicionou-se no espaço, no tempo e já avistava por entre as clareiras os cumes e vales que ladeavam Órion, bem ao fundo no horizonte. Mas ainda teria que atravessar vales e subir montes para chegar às terras que os Obours teimam em não pisar.
Têm-lhe pudor, o medo de caminhar sobre terras sagradas sufoca-os, deixam-nos com pesadelos ainda mais fortes que aqueles que acarretam nas mãos coloridas do sangue dos Órions e seus descendentes, os homens.
Tinha ainda uns dois dias até se sentir seguro. Conhecia bem aquelas florestas, sabia os perigos que escondiam, mas também tinha aprendido a usar esses perigos para nela sobreviver.
Parou, cansado, o céu azul parecia querer cair-lhe em cima, apenas as nuvens que nele voavam lentamente o seguravam. Os dias estavam curtos e mais curtos ficavam quando o sol começasse a baixar e os vales deixassem de ser iluminados pela fraca luz. Teria que escolher rapidamente um abrigo, sabia da existência de um nas redondezas, mas era possível que estivesse repleto de água devido às ultimas chuvas.
Iria tentar fazer uma caminhada recta para que não perdesse muito tempo no lá e cá. Uma árvore alta, que o mantivesse longe dos lobos, onde pudesse colocar uns ramos secos e fosse fácil de trepar servir-lhe-ia para passar a noite em segurança e contentar-se-ia com umas bagas silvestres para comer.
A noite estava fria, as dores ainda eram suportáveis mesmo depois de ter coberto as feridas com algumas ervas.
Deitou-se nas folhas secas que tinha colocado num emaranhado de paus e cobriu-se com o manto grosso.
Numa qualquer parte da floresta ouviu o uivar dum lobo. Gostaria que se aproximasse mais. Os lobos fujiam dos Obours e a sua presença ali perto tranquilizava-o sabendo assim que estes não estavam nas redondezas, e também estava a uma altura segura das suas mandibulas.
Olhou uma vez mais o céu, agora escuro, e por entre as nuvens via as estrelas que nele pendiam. Cintilavam como os olhos de Témis.
Por esta altura deveria estar a chegar a casa. Fizera aquele caminho vezes sem conta e já em Órion, ao dobrar o último outeiro, a luz na janela esperava-o. Depois o abraço apertado, o sorriso branco de Témis... o brilho nos olhos fizeram-no sempre ter forças para voltar.
Hoje não seria a última vez.




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